"Porquê que ele insiste em fazer isto?"

"Porquê que ele insiste em fazer isto?" é uma pergunta recorrente nos treinos e jogos. Sendo que, obviamente, "ele" é o treinador. E "isto" pode ser uma serie de coisas. Uma jogada, uma saída para jogo, um movimento, um exercicio. Ora bem, vamos ver se descobrimos o "porquê" da "insistencia".

Dois anos atrás foi-me aconselhada pelo Prof. Humberto a leitura de um livro, "O Codigo do Talento", de Daniel Coyle. É um livro muito interessante, que apresenta uma teoria que eu desconhecia. Muito resumidamente, poderia dizer-se que qualquer movimento ou conjunto de movimentos que o nosso corpo efectua, deixa uma marca no cerebro (a forma como isso acontece pode depois ser abordada). O facto é que a repetição sistematica do movimento ou conjunto de movimentos deixa  marca de tal forma aprofundada que depois é quase por instinto que ela é seguida.

Em termos práticos, poderíamos colocar o seguinte exemplo: se tivermos um mapa e de cada vez que fizermos um percurso o marcarmos a lapis, ao fim de algum tempo teremos os percursos habituais a sobressairem do mapa e o que mais vezes percorrermos a ser o mais nitido de todos.
No caso do treino, é defendida a teoria de que os movimentos (ou conjunto de movimentos) que o treinador pretende que sejam efectuados sejam repetidos tantas vezes que deixem "marca". Até ser por instinto que o jogador o faz, praticamente sem pensar. Ou preferencialmente sem pensar já como um automatismo adquirido. Vejamos aqui o que nos diz o Prof Carlos Campos sobre o assunto:

" Durante um jogo de futebol, os jogadores são constantemente chamados a tomar decisões e quanto mais rapidamente o fizerem, tanto melhor pois o jogo está crescentemente mais rápido sendo que a velocidade de execução distingue os melhores dos medianos" .... " Num jogo de futebol entre equipas de topo assistimos a movimentos velozes, execuções em que parece que os jogadores adivinham as movimentações dos companheiros e as decisões têm de ser tomadas de forma espontânea e de acordo com o modelo de jogo estabelecido e treinado. Ora, a estas exigências contrapoe-se a lentidão dos processos cerebrais daí que algo tenha que estar por trás desta rapidez que caracteriza o jogo de futebol. Treinar para criar pré-representações e assim aumentar a velocidade dos acontecimentos fazendo-os depender de algo já previamente definido e não somente da solução que o cerebro teria que encontrar e realizar para cada momento do jogo é uma resposta ..."

Vejamos, isto acontece? Pensando no nosso dia a dia, há uma coisa que recordo. Estar ao volante e dar comigo a seguir um caminho habitual (emprego, escola, etc)  mas que nesse dia não era efectivamente o meu destino. No entanto, a marca no meu cerebro levou-me institivamente por ali e tenho que me "forçar" a pensar no destino que pretendo (mais uns tempos e todos nós acabaremos por parar no Vitalis sem dar conta...). Pois, o facto é que acontece mesmo e numa coisa que não foi treinada, foi só repetida vezes sem conta. Ora se um treinador insistir em repetir o mesmo movimento, o que ele pretende que seja efectuado na perfeição, acabará por conseguir que ele seja executado automaticamente e de uma forma correcta. Logo, já se vislumbra alguma razão para a tal "insistência", e vamos sem duvida voltar a esta questão, mas vamos agora ver a aplicação nos nossos meninos. Será que eles são demasiado novinhos para isto?

Segundo o professor Jorge Maciel "O facto de comecar cedo a pratica de futebol se poder revelar como determinante, leva-nos a considerar que a questão que devemos colocar quando abordamos a problemática da Formação não é quando começar, mas sim como começar"

Sendo assim, se este é o sistema correcto, o sistema que funciona, quanto mais cedo comecar, melhor, não é? por muito que nos "custe" ver as famosas passagens do guarda redes aos defesas, os "treinos-que-parece-que-não-saem-do-sitio".

Mas quando decidimos colocar os nossos filhos numa escola, aceitámos implicitamente o formato que fosse implementado e a verdade é que hoje as escolas de futebol são mais do que meros espaços para os miudos jogarem à bola; mais uma vez citando o prof Jorge Maciel:

"... As escolas de futebol assumem-se, deste modo, para os pais como um lugar de destaque para a formação, que não exclusivamente desportiva, dos seus educandos. E de facto estamos em crer que o futebol pelo seu potencial formativo se pode assumir como um complemento muito positivo na formação de qualquer criança. Ou seja, entendemos que a pratica precoce de futebol, tendo subjacente um processo de qualidade permite o cumprimento da triade Mais Futebol, Mais Criança, Mais Educação"

E é isto que nós pretendemos para os nossos meninos, não é? Que eles joguem futebol, se isso os deixa felizes e se demonstram que têm algum talento ou habilidade para tal, mas sem deixarem de ser crianças e nunca descurando a educação.

Com isto vou fazer uma interrupção por hoje, o tema tem muito por onde falar, mas vai ter que ser aos poucos até porque ou me dão algum feedback ou presumo que já adormeceram todos em cima do teclado...

Abraços e até amanhã